sábado, 4 de agosto de 2007

De Coimbra, só um pouco


Criança ainda, lembro que Roberto Carlos gravou a canção "Coimbra". E que eu não sabia o que era choupal, mas também não perguntava a ninguém. Cantava, simplesmente. Repetia. E aquilo me agradava. Das aulas de Geografia e de História, sabia que tinha sido capital de Portugal e que era um importante centro universitário. De resto, pouco ou nada mais.
Coimbra não estava no roteiro original da viagem, mas acabou sendo a escolhida do destino: foi diante do seu majestoso cenário que me encontrei pela primeira vez com Jorge Palma, num dos concertos da Queima das Fitas, no dia 11 de maio.
Não sei falar muito bem sobre a tradição da Queima das Fitas, praticada religiosamente por nove entre dez das universidades mais antigas de Portugal. Sei apenas que é uma festa das mais esperadas pelos alunos, que dura vários dias e é organizada com o maior entusiasmo. Há um ritual de abertura onde as fitas dos uniformes são mesmo queimadas; comemoram-se tanto a formatura dos que concluem o curso como a chegada dos calouros. Na despedida há um enorme desfile com carros alegóricos pelas ruas da cidade, que por acaso vislumbrei rapidamente no Porto, para além da meia-noite, numa das minhas chegadas noturnas e intempestivas. Mas o fato é que nas Queimas há shows todas as noites, e num concerto não previsto, mas mágico para mim, Jorge e eu nos apresentamos. A noite fria, a visão da Universidade iluminada e do imenso rio, os milhares de estudantes em seu traje oficial de Queima - as moças de tailleur preto, camisa branca, gravata borboleta e cartola, os rapazes de calça preta, camisa branca e a tradicional capa preta que os remete quase à Idade Média - e aquele clima um tanto familiar de megaconcerto deram o tom do momento. Assim como a simpatia da Paula, assistente da produção do Jorge, do grande guitarrista Flak, seu companheiro de todas as jornadas, dos integrantes da banda, dos filhos do cantor e do marido da Paula, que nos levava de um lado a outro, sempre tão gentil e atencioso.
Cheguei a Coimbra muito atrasada... e nervosa. Tinha sido mais um longo dia marcado pela perda de um comboio (ai, minha sina) e amenizado pelo carinho da Vera que, a caminho de Ponte de Lima, prontificou-se a levar-me de carona (ou boléia, como se diz em Portugal...). A Cristina, grande grande amiga que me entende como ninguém nos assuntos musicais, já me esperava na cidade desde cedo, vinda da sua Figueira da Foz. Fomos buscá-la numa biblioteca pública e, de lá, voamos para o Residencial Botânico. Isso equivale a dizer que os meus sentidos, normalmente tão ligados no ambiente e suas delicadezas, embotaram-se pela pressa e pela angústia das horas. Tinha marcado com a Paula na área da Queima e precisava chegar... Mas é claro que tudo se resolveu, ainda que com alguma perda na paisagem. Mesmo assim ainda lembro de uma bela praça com arcos, onde fizemos duas vezes o retorno para chegar à rua do hotel, e da margem do rio, que tive o prazer de percorrer a pé na madrugada após o espetáculo.
Acabei por jantar com a Paula e toda a produção no Hotel Meliá. Foi um prazer sentir o carinho e a simpatia daquelas pessoas. Incrível como o espírito da personalidade do artista se reflete na sua equipe: em todos os três concertos do Jorge Palma a que assisti, jamais topei sequer com um daqueles personagens histéricos e arrogantes, de radinho na mão, a esguichar impaciência em torno de si, como tantos que já encontrei por aqui em cenários semelhantes. Todos, sem exceção, são educadíssimos, gentis e prestativos. Ao colocar o crachá que me ofereceram, senti-me quase como se estivesse trabalhando e até prontifiquei-me a ajudar no que fosse possível, pois a última coisa que desejaria era causar-lhes qualquer transtorno.
Enquanto circulava livremente pelos espaços do show - palco, camarins, platéia - observava a cidade-cenário à minha volta, sob as luzes da noite. O céu azul-profundo era muito nítido, lindo, livre de estrelas, a emoldurar uma lua que se desmanchava sobre as águas do Mondego. A friagem cortante, sempre que podia, perturbava a paz do meu sobretudo negro e quentinho. Mas a paisagem era única, os estudantes estavam alegres e minha amiga Cristina feliz da vida, na primeiríssima fila do gargarejo, embevecida com a apresentação do Pedro Abrunhosa, de quem é grande fã. Aliás, nos camarins, perto da hora de entrar, Abrunhosa e seus inseparáveis óculos escuros cumprimentaram-me com um aceno, antes de abraçar com carinho o Jorge.
Nas primeiras fímbrias da manhã deixamos a área e cruzamos a ponte a pé. Muito bela, a quase-aurora sobre o rio. Apesar do frio encarei uma caminhada a pé até a estação dos comboios, na esperança de trocar minha passagem e ter direito a umas horinhas de sono, mas não consegui e tive mesmo de partir para o Porto às nove da manhã, pois no dia seguinte assistiria ao meu último concerto do Jorge, na cidade de Estarreja.
Mas ficou o gostinho de Coimbra na paisagem intocada e na friagem instalada entre a pele e os agasalhos. Ao sair, tive a certeza de que haveria de voltar para aproveitá-la sob cada uma das luzes que a podem revelar.

3 comentários:

bruno cunha disse...

Acredites ou não, conheço mal Coimbra.
Mas com o teu texto fiquei com uma boa imagem da cidade.
;)

ÁguaDiCoco disse...

Linda a sua descrição da cidade de Coimbra !!
Melhor que a que qualquer português daria ..
Os de fora "enxergam" sempre de
outro jeito ne? rs
E esse encontro mágico com um mestre da música nacional..Isso é que foram dias em grande!!
Agora é "só" voltar por cá, sera sempre bem-vinda!..
Beijinhos

Orlando Gonçalves disse...

Pois minha querida amiga, Coimbra é de facto um encanto. è a Coimbra dos Doutores do Mondego das suas gentes. Bela descrição a tua. E o Jorge, sempre o Jorge, esse encanto. Ontem dia 9 de Agosto fui ao Casino do Estoril vê-lo. E como sempre não tenho palavras para descrever o que vivi. Foram + de 2 horas que encheram todo o meu ser. Realmente aquele homem ultrapassa todos os limites. Para mim será sempre um dos maiores. Amei por demais. Pena é que só venhas para o ano para o poderes vêr novamente actuar. Mas ficam sempre as lembranças destes 3 concertos vividos aqui em terras Lusas !!!! Um Grande, grande beijão Amiga.E uma saudade imensa deste Portugal que tanto amas.