sábado, 2 de junho de 2007

Enfim... o Douro...


Meu amigo Tiago Videira, que entende de muitas coisas, vivia a insistir comigo para visitar o Douro. Achava um desperdício alguém ir a Portugal e não ver a vista do miradouro da pequena vila de Casal de Loivos, para onde vai desde pequeno, porque lá mora a sua avó. E queria porque queria que eu fizesse um cruzeiro pelo Rio Douro e passasse pelas várias comportas que habilmente mantêm a prosperidade em torno do rio em alta, e suas águas num patamar confiável.
Do cruzeiro logo desisti, tendo em vista o preço e o fato de eu não dispor de um fim de semana inteiro. Mas comprei a idéia de subir o Douro assim que meu persistente amigo enviou-me um filme que fez especialmente para mandar-me, durante o feriado de Páscoa. Comoveram-me desde logo as imagens da sua avó, Dona Alice, e sua irmã, típicas senhoras portuguesas em sua rotina diária... isso e também a curiosidade pela vista e as vinhas do lugar.
Saí para o Pinhão, a primeira cidade depois do porto do Peso da Régua, num ameno fim de tarde. Passei por muitas cidadezinhas enviesadas, simpáticas e simples no caminho, ainda sem calcular o impacto que teria com a primeira visão do Douro.
O vale aparece quase que de pronto, desavisadamente, ao dobrar de uma curva. É como se se abrissem as cortinas do passado (obrigada, querido Ary Barroso!); montanhas viçosas e seus caminhos cuidadosamente desenhados pelas videiras, como gigantescos penteados verdes à moda africana, trancinhas bem torneadas por quilômetros a perder de vista. E as margens a borbulhar de vida pareciam reproduzir as histórias sobre o Nilo que líamos nos livros do ginasial. Uma leve aragem, à impressão de felicidade coletiva, como se pastores estivessem naquela hora aconchegados em suas casas, o jantar a fumegar no lume, orações na hora do Angelus, noites quentes bem-dormidas e e a alegre espera do dia seguinte por fazer. Tudo naquela hora mágica inspirava poesia, confiança. E eu olhava com olhos de beber da nascente do rio e sua vida garrida.
Cheguei ao Residencial Douro, onde fui muito bem recebida pelo Sr. Luís e sua mãe. Jantei um excelente bacalhau, visitei rapidamente a internet num bar vizinho e
deslocado (parecia um ambiente da Geórgia, incrível) e dormi o sono dos justos até acordar o sol.
E que sol, e que calor no Douro! Senti-me em casa, cheiro de verão a pino. Pela hora do almoço consegui um táxi para visitar a avó do Tiago em Casal de Loivos, o ponto mais alto, onde a única escola foi fechada por falta de alunos (as poucas crianças do lugar estudam no Pinhão e têm transporte assegurado pela Prefeitura). Ah, a doce felicidade dos lugares pequenos! O garboso taxista conhecia a Dona Alice. Bem que o Tiago me disse que não precisava de endereço... "Fui criado com ela", orgulhava-se.
(Vale contar que o taxista já estava comprometido com um senhor para uma viagem... e perguntou a ele se, no caminho, podiam deixar-me em Casal de Loivos. O senhor concordou. No trajeto, deliciei-me em vê-lo falar: não entendia uma só palavra!... Aliás, raríssimas palavras...)
Dona Alice ficou contente com a visita da amiga do Tiago. Levei-lhe uma goiabada cremosa, um pouco de Brasil para experimentar. Muito ágil em seus oitenta anos e vestida de lã em meio ao calor absurdo, fez questão de caminhar comigo até o miradouro (que fica exatamente em frente ao cemitério). Preocupei-me ao vê-la tomar todo aquele sol na cabeça. "Ah, já estou acostumada"... E contou-me que, quando jovem, descia todo o morro a pé para lavar as roupas no rio. "A gente trabalhava muito", lembrou-se sorridente. "Gostávamos muito de ir ao rio, parece que as roupas ficavam bem mais cheirosas"...
Na volta mostrou-me a casa inteira e os lugares "onde o Tiago fica quando vem aqui". Foi muito bom partilhar daquela intimidade guardada, ver as coisas do seu dia a dia, ganhar dois panos de prato com crochê feito por ela. E receber o tímido sorriso de sua irmã, pequenina, bem velhinha, lindas as duas.
Fez-me prometer que voltaria para pousar em sua casa. Essa promessa eu hei de cumprir, Dona Alice.
À saída, além das fotos, mais emoção me esperava: segredou-me uma garrafa muito bem embrulhada. "É do Porto, viu?"
Guardei com cuidado e desci para visitar as vinhas numa das quintas. Dessa vez levou-me a Fátima, mulher do taxista que, na altura, já ia levar uns ingleses ao aeroporto. Não imaginei que fossem tão concorridos os poucos táxis do Pinhão...
Explica-se: a simplicidade da vila abriga o Vintage House, um hotel cinco estrelas feito sob medida para os apreciadores de vinhos, sempre cheio de estrangeiros ávidos por sol e calor.
Na Quinta do Panascal, fiz sozinha o roteiro das vinhas, com um cassete ao ouvido, explicando cada detalhe, e o sol por inteiro. Nunca imaginei que fosse bronzear-me em Portugal, em pleno maio... Percorri com interesse a história das espécies produzidas ali e dos vinhos resultantes, vi os lagares e tonéis. Provei os vinhos, comprei um e retornei bem à hora de tomar o trem (perdão, o comboio) de volta para o Porto, para meus amigos e mais uma noitada agradável no Taipas-i-Feijão, ao som de violões derramando brasilidades e do António a declamar, entusiasmado, trechos de "O Coro dos Cornudos".

4 comentários:

Anônimo disse...

Nem te vou perguntar que cassete era essa que levavas enquanto passeavas nas vinhas lol
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Esse Douro, tb já o desci desde a Régua e é como dizem "Rio de Ouro"; rio que parece que brinca de esconde-esconde com essas serras que o abraçam e o ao mesmo tempo o repelem...

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Pronto, ja coloquei o comment no teu artigo lá no Blog do J. ehehehh

Douro disse...

Gostei, é simplesmente essas as razões que me fazem permanecer por aqui ( Pinhão ).
Tudo isto é belo ...
Senta-te olha e absorve tudo o que está a tua volta..
É mesmo paixão o Douro..
Cumprimentos pelo excelente trabalho.
Luis

Fernando Neto disse...

Que se pode dizer mais sobre este magnifico lugar e suas gentes.
É como se de um quadro se trata-se, a paisagem parece percenter as pessoas e tudo parece ser perfeito.

Visitei e tambem tive o previlegio de ficar na Residencial Douro.
O meu obrigado ao Luis e sua Mãe, sao pessoas formidaveis.

Fernando Neto

Orlando Gonçalves disse...

O Rio Douro é de facto qualquer coisa de maravilhoso, eu tenho o previlégio de já o ter subido e de visitar algumas daquelas quintas maravilhosas onde o tal afamado Vinho do Porto é produzido. Não é de estranhar que este lugar paradisiaco seja Património Mundial.È de facto um dos locais mais maravilhosos e onde a mão do homem pouco ou nada modificou. Por isso minha amiga foi pena não teres tempo para fazeres o dito cruzeiro, porque se amaste a paisaigem que viste, ficarias maravilhada ainda mais se tivesses visto as várias mudanças de prespectiva que temos de cada curva que fazemos nesse rio. Fiquei sem palavras. Mas isso fica para outra vez, para o proximo ano, né amiga.
Beijos Orlando