sexta-feira, 1 de junho de 2007

Meus personagens - I

E as gentes que essa viagem me trouxe? Preciso, preciso falar delas.
Cada personagem é em si um caminho novo, um pote de ouro bem ao alcance de quem souber tocá-lo com os dedos certos. E aí ele vira música, livro, sonho, cinema... Vira o que a alma dele, ao lado da sua, quiser virar.

E o meu Portugal recente foi realmente pródigo em pessoas maravilhosas.

Vera

Na minha vida desde 1978, essa pequena passou os últimos 24 anos em algum lugar da minha alma, muitíssimo bem guardada. Nos tempos da faculdade, na vida adolescente de grana curta e sonhos compridíssimos, vivíamos a costurar castelos. Eu já trabalhava, já era - para usar uma expressão antiga - arrimo de família e já completara 26 anos, quando passei no vestibular pra jornalismo, deixando para trás um passado duvidoso em Administração de Empresas. Vera, três anos mais nova, transgressora e intrépida, era um belo contraponto: muito mais pé-no-chão e descolada do que eu, tricotava logo os meus laivos românticos e os transformava em alguma coisa prática, útil, relevante.
Filha de portugueses, quando decidiu emigrar passou por maus bocados. E nós, eu e outros amigos, a tentar ajudar por carta, a tentar resgatá-la de volta. Como, se nem todos os nossos salários juntos davam para pagar a prestação da passagem? Aos poucos, porém, as coisas foram melhorando e as notícias de além-mar também. E mesmo nesses anos de pouco contato, a história permanecia lá, intocada, fresca como a tinta - azul - das cartas que esparsamente trocávamos.
Em junho passado a miúda descobre-me na internet... e todos os sonhos voltam. Foram muitos emails até eu não resistir e telefonar, ainda que só para ouvir-lhe a gargalhada.
Daí para a viagem foram poucos meses. As facilidades da tecnologia começam a não bastar, e a gente quer mesmo ver, pegar, conversar, conferir, olhar.
Sou de opinião que cada amigo tem um lado da nossa alma. Sim, e as almas têm tantos lados quantos forem os nossos amigos da vida inteira. Não quero me deter no lado prático, geométrico, da configuração espacial da alma, isso tudo é só pra dizer que a Vera é dona absoluta de um dos lados da minha.
Nessa viagem tivemos momentos de tal inteireza que é como se nunca nos tivéssemos separado. Cada pequena rotina que criamos era tão natural e ao mesmo tempo tão valiosa como se fosse durar para sempre, como se resistisse incólume à ação do tempo.
Porque o tempo, entre amigos desse quilate, pouco representa.
Vera é uma mulher de coragem, segura a vida pelos chifres, empreende suas histórias, toca os amigos no ponto certo. E o tempo lhe aguçou a sabedoria, deu ao seu inconformismo tons muito profundos e também certeiros, produtivos. A sua luz é constante, a orientar sem ferir-nos os olhos.
A Vera de volta é o grande presente da minha viagem.

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