domingo, 27 de maio de 2007

Comboios, camionetas...

Quem nasce falando português é sem dúvida um privilegiado. Tem nas mãos todos os sons e fonemas, todos os duplos e triplos sentidos... e pode usar o idioma de formas completamente diferentes, dependendo dos usos e costumes de cada lugar!

O caminho do idioma é uma viagem paralela com a qual me delicio não é de hoje, e grande parte das vezes ao lado de um querido amigo português. Comprazemo-nos, aliás, em embirrar com cada mínimo detalhe, para depois nos rirmos muito. Aliás, todas as bobagens que falamos acabam nos levando até dicionários, definições, contextualizações... e, de risada em risada, acabamos por melhorar nossa cultura lusófona, ainda que por efeito colateral.

Em Portugal não se diz trem, e sim comboio. Até aí tudo bem, ambas as palavras constam do dicionário com o mesmo sentido. Ônibus? Lá tal item não existe. Os que circulam dentro das cidades são os autocarros; já os intermunicipais ou de turismo são camionetas. Imagino um brasileiro desavisado, recém-chegado, a quem mandam pegar a "caminhoneta"; vai ficar parado a vida inteira no ponto de ônibus esperando uma van que nunca chega!

Não me entendi bem com os comboios. Sim, são confortáveis, ágeis, excelentes. Difíceis são as regras para utilizá-los. É bem verdade que perdi dois por centésimos de segundo, e é possível que me venham dizer que os brasileiros costumam atrasar-se. Mas e a dificuldade para encontrar as plataformas? No bilhete não vem escrito; é preciso ir até Informações para perguntar. E não se iludam, encontrei muitos portugueses em filas pelo mesmo motivo. A questão, portanto, não se circunscreve a estrangeiros.

Meu conselho a quem viajar de comboio em Portugal é não comprar o bilhete com antecedência. Sim, porque se houver qualquer problema, vai ser difícil resolver. O melhor mesmo é chegar à estação no mínimo meia hora antes e comprar no ato. Comprei pela internet bilhetes de ida e volta Lisboa-Coimbra-Lisboa. Imprimi-os e havia uma frase dizendo: reembolsáveis/revalidáveis. Ótimo, pensei; assim posso mudar de horário à-vontade. Ledo, ledíssimo engano!

Cheguei atrasada para a viagem de ida e fui verificar se podia embarcar no comboio seguinte. A funcionária do guichê encaminhou-me para o responsável na estação. Quando fui explicar, tive de ouvir o agente ler, pelo menos umas oito vezes - acredite quem quiser! - que só podia alterar se chegasse com meia hora de antecedência em relação ao horário de partida. E o senhor parecia ter prazer em repetir, infinitamente, que "valia o que estava escrito".

Em Coimbra, dia já amanhecendo, escaldada que estava, decidi mudar o horário da volta para Lisboa e procurei a estação ferroviária com quatro horas de antecedência. Ao chegar ao guichê, surpresa: o funcionário informou que teria de pagar 4 euros para transferir o bilhete! Calejada de ouvir as regras escritas oito vezes, aleguei que aquilo não estava escrito. E qual foi a resposta? "Nem todas as regras da companhia estão escritas, mas existem..." Durma lá com um barulho desses! Desconsiderei a mudança e, por causa disso, olhei enamorada e longamente para a deliciosa cama que me esperava no Residencial Botánico, como se fosse o mais cobiçado objeto do desejo... mas tive de esquecê-la, se quisesse embarcar no comboio. E assim perdi algumas horas de sono que jamais recuperarei.

Mas, afinal, o que é dormir quando se viaja pelos caminhos de sonho dum imenso Portugal?

Domingo, 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima... e eu a tentar sair do Porto, como já parecia rotina. Queria chegar a Lisboa pelas três e meia da tarde, para assitir ao ballet "Pedro e Inês", no Teatro Camões, bem próximo da Estação Oriente, onde desembarcaria. De comboio logo desisti, pois chegaria mesmo à hora do espetáculo. Então resolvi tentar o ônibus, ou melhor, a camioneta, que saía uma hora antes.

Tudo estava perfeito até o motorista dizer que teria de entrar em Fátima para pegar mais passageiros. Preocupei-me ligeiramente, mas acreditei na minha sorte; não há de ser nada, pensei. Outro ledo engano: ficamos três horas parados numa fila de veículos que não chegava a 300 metros. Meu amigo português, aquele mesmo do idioma, ria-se em mil torpedos para o celular: só uma brazuca (imagina, é assim que eles nos chamam, e ainda por cima com "z"! O que não diria o querido Antonio Adolfo, criador do divino grupo musical "Brasuca", nos idos de 68???) usaria uma camioneta nesse dia!... "O Manuel e a Maria iriam de comboio..."

Argumentei que havia dezenas de Manuéis e Marias no ônibus, mas o indivíduo não se deu por achado. "Todos imigrantes do Brasil, de certeza..."

Depois dessa, joguei a toalha... e pensei, ora, afinal, estou de férias. Não vou me estressar com isso. Mas quando descobri o motivo da longa, longa espera, não acreditei! Não havia uma imensidão de veículos a deixar a cidade; tudo se dera por obra e graça da Guarda Nacional Republicana, que resolveu controlar o trânsito - e não liberava ninguém para a estrada vicinal que logo nos livraria daquilo. O resultado foram oito horas de viagem, em vez das esperadas três e meia, Pedro e Inês perdidos e algum cansaço. Mas minha sorte não me abandonou de todo, pois nesse longo esperar descobri o Luís, o cavalheiro sentado ao meu lado, que me proporcionou algumas horas de bom papo e gostosas risadas.

Um passageiro inconformado foi o responsável pelo momento mais engraçado da viagem: na hora que descobrimos a confusão, alguns carros tentaram ultrapassar o nosso ônibus. E ele, indignadíssimo, arremeteu contra o motorista: "O senhor não deixe passar ninguém! Se deixar, eu tomo-lhe o volante!"

Ah, Portugal, Portugal...

Um comentário:

Anônimo disse...

Deixa-me fazer 1 reparo: não é caminhonetas mas sim camionetas LOL

"Brugna"