terça-feira, 5 de junho de 2007

E o que eu Faria se não fosse este senhor? (Meus personagens, 2)

O título pergunta e eu já respondo: muito menos. De fato o meu Portugal, sem o Faria, teria muito menos...

Menos música porque ninguém foi mais exuberante (e paciente) nos ritos iniciáticos e caminhos secretos da música portuguesa. Menos alegria porque ninguém teria humor mais ácido, causticante e revelador. Menos iluminura porque ninguém teria tamanha dimensão artística do seu mundo... (e olha que os quadros mesmo, esses eu só vi na tela do computador!). Menos Antropologia porque através de nenhum outro rosto eu enxergaria os profundos e atávicos traços mouros enovelados na história. Menos História porque sem imaginá-lo no passado não poderia reconhecer um contemporâneo de Danton, firme e febril, mangas bufantes e rendas a tornear as mãos e a pena (de ganso, longuíssima, para escrever manifestos). Menos poesia porque ninguém desencavaria os livros nas estantes com tamanha paixão. Menos tesouros porque nenhum outro seria tão romântico no caminhar pelas ruas mais recônditas de Lisboa, a inventariar-lhes e desvendar-lhes os segredos. Menos pincéis e tintas porque sem ele não conheceria a Casa Varela. Menos rock'n'roll porque só o Faria seria capaz de fotografar-me à porta do local que um dia abrigou o JOHNNY GUITAR. E menos aventura porque ninguém, salvo o Faria, seria capaz de fechar o escritório às onze da manhã e arrastar-me com urgência para a Fnac do Chiado só para que eu não passasse mais um dia sequer sem conhecer Leonard Cohen.
Do primeiro encontro no café da Dona Tereza, ao lado da Vera, à despedida na esplanada ao pé do Cinema São Jorge, ao findar-se a tarde do meu último dia, estar com o Faria trouxe-me de novo o gosto do que é essencialmente bom, puro e simples na alma. O seu enorme e comovente talento para ser humano é dessas coisas que fazem de fato a vida valer a pena.

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