domingo, 28 de setembro de 2008

Sutis diferenças

Giacomo Puccini


Acabo de ver a montagem de La Bohème com que o Theatro Municipal do Rio de Janeiro comemorou o ano Puccini e comento com meu amigo Tiago Videira. Comparamos então os preços das entradas no Brasil e em Portugal; aqui ainda é mais barato, na média, para as produções locais. Quando se trata de estrelas internacionais, porém, os preços são estratosféricos para os padrões portugueses. Mas, pelo que Tiago me conta, lá há coisas fantásticas.
Imagine alguém chegar na bilheteria do Theatro Municipal, uns quinze minutos antes de começar um espetáculo que não está lotado e, por essa razão, pagar só meia entrada? Impraticável. Aqui a meia-entrada obrigatória para estudantes e idosos acima dos 60 anos é fortemente rejeitada pela classe artística e pelos empresários. Todos afirmam que ela é a principal razão de o teatro não dar lucro. Alguns chegam a elevar absurdamente o preço da dita "inteira" para evitar o peso da "meia" sobre a produção! Nesse clima, oferecer meia entrada em espetáculo vazio - o que poderia até salvar algum custo obrigatório - é totalmente impensável por aqui.
Outro lance incrível é o carinho que os teatros têm pelos estudantes interessados em ver os espetáculos, mas que não podem pagar; segundo o Tiago, é prática comum permitir o acesso gratuito de estudantes à galeria mais alta, quando chegam quase na hora a espetáculos onde ainda há bastante lugar. Que coisa mais simpática e civilizada! Aqui, o máximo a que um estudante poderia aspirar, em raríssimas ocasiões, é assistir no telão, do lado de fora (digo raríssimas porque é muito difícil colocarem telões nos espetáculos líricos. Pra ver baixaria, a tecnologia é sempre milionária!).
Aqui temos de conviver com a instituição do cambista, uma imoralidade que parece não ter cura - e que, até hoje, nenhuma autoridade se deu ao trabalho de eliminar, com melhores políticas de distribuição cultural. Estes estão sempre lá, querendo comprar as "sobras" de quem chega. Tenho por hábito só abrir minha bolsa para pegar minha entrada quando estiver a milímetros de distância do porteiro, tal o pânico que tenho desses sanguessugas. Por conta disso, aliás, acabei passando por uma pequena humilhação sem conseqüências, há uns anos atrás.
- Tem ingresso sobrando aí?, interpelou-me um deles, quase ao pé da escadaria.
- Pois se tivesse doava, mas não vendia para você - respondi.
- E você precisa emagrecer! - devolveu-me, cavalheiresco, o infeliz.
O que não entendo é: se todos os bilheteiros conhecem os cambistas, por que vendem pra eles? Por acaso sofrem ameaças? E por que não há guardas fiscalizando a ação clandestina, que só prejudica o público do Theatro e a própria instituição? Mas não, parece sempre que não há ninguém vendo, e os ditos agem livremente nas imediações.
Em Portugal, preferem vender pela metade do preço do que deixar cadeiras vazias. Mais: preferem que os estudantes entrem de graça, se houver lugar, do que frustrar as expectativas de alguém que mais tarde poderá vir a ser um artista, um músico, um regente talvez. Não é mais civilizado e mais inteligente? Taí algo que poderíamos muito bem aprender com nossos queridos ancestrais. Um pouco da antiga cultura, quando vem para iluminar, não faz mesmo mal a ninguém, não é mesmo?

Nenhum comentário: