terça-feira, 22 de julho de 2008

Duas rodas sobre uma paixão

Atravessando a ponte
Foto: Cristina Huertas Santos

Neste momento, uma bicicleta - perdão, muitas bicicletas - estão a cruzar esta ponte, em minha amada Cidade do Porto. Dá para sentir o vento? Pois eu quase consigo. Minha amiga Cristina e outras jovens animadas passam agora por aqui, a velocidade média, dada a altura. Sei que não dá para vê-las, mas se as víssemos, quem teria feito a foto? É domingo, 20 de julho, e a Porto Bike Tour toma as pontes da Arrábida e de São Luís, a Afurada, toda a Ribeira e muito mais, em 14,5 quilômetros de energia, liberdade e pedaladas.

Cá estou eu sonhando, e por uma simples e prosaica razão: não sei fazer uso desse quase secular objeto de lazer e meio de transporte, que é a bicicleta. E não, não acho que seja uma vergonha. Também não me orgulho; faço parte de uma classe de pessoas contemplativas que têm dificuldades com certos encantos tidos como certos da vida ao ar livre. Em criança, nem pensar; preferia os livros, as histórias das amigas da minha avó e os sonhos acordados. Tá, eu conseguia subir em árvores, brincar na terra, levar alguns tombos e arranhões, comer goiaba no pé. É, eu sei que aí não tem goiaba no pé, só em determinadas lojas especializadas. Já provou? Hmm, me veio água na boca... olha, gosto mais das vermelhas, embora as brancas tenham lá o seu encanto. São as preferidas dos chamados bichinhos de goiaba, ou seja, bichinhos mesmo, que costumam perfurá-las e fazer delas a sua casa, pelo menos enquanto houver polpa para eles comerem.

Mas voltando às bicicletas, o máximo que aprendi foi a me equilibrar razoavelmente e dar umas voltas. Até aí tudo bem, mas como pará-las sem cair ou trombar numa parede? Essa é uma ciência que me parece impossível de dominar. Não, não é que tenha desistido. Ainda hei de aprender, e espero que o faça enquanto o corpo ainda me permite tais veleidades...

Que a bicicleta é companheira de sonhos, ah isso é. Nos anos 70 eu sonhava com Paul Newman, lindo, lindo, pedalando em volta da sala da professorinha em Butch Cassidy, ao som da magnífica Raindrops Keep Fallin' on my Head, tema de Burt Bacharach interpretado pelo até hoje inimitável B. J. Thomas. De bicicleta o E.T. cruzou a lua numa escapada espetacular, talvez a mais linda cena filmada por Spielberg. De bicicleta o Sr. Hûlot de Jacques Tati nos fez rir e chorar muitas vezes.

Hoje bicicleta é bike, mesmo nesse imenso Portugal tão avesso aos estrangeirismos. Acho bacana o esporte, milhões de capacetes, camisas verdejantes e mochilinhas enchendo as ruas de uma alegria e um magnetismo muito saudáveis. Afinal, nem tudo é uma estradazinha interna, isolada e cercada por amoreiras em flor. Os grandes movimentos urbanos que clamam por um pouco de ar e saúde mental têm lá o seu fascínio. Se eu pudesse pedalar 14 quilômetros, sem dúvida chegava junto.

Mas não nego que tenho um certo gosto de pensar em bicicletas velhas, a grande roda dianteira quase parada, encostada a uma parede, num rito de silêncio ou de descanso após uma longa viagem. Ou numa bicicleta florida que carrega dois namorados a desafiarem a imensidão, descendo uma montanha entre beijos e frios na barriga. Ou numa criança como a que não fui, aprendendo com dificuldade a manejar aquele instrumento que a seus olhos é grande, grande...

Imagino que anteontem o Porto deve ter tremido diante da verde onda que pedalou por seus sonhos antigos à beira do rio e do mar. Acenei para eles uma bandeirinha imaginária, da cor da minha paixão por aquela terra que, inexplicavelmente, amei desde o primeiro instante, desde a primeira pedra portuguesa da Avenida dos Aliados.

Se eu tiver sorte, disciplina ou um bom professor de ciclismo, quem sabe não me arrisco no ano que vem? Por precaução, é claro, melhor providenciar uma boa joelheira. Afinal, tombos na minha idade já não são tão corriqueiros...

2 comentários:

Anônimo disse...

Deixa-me dizer-te que o estrangeirismo "byke" só se aplica ao meu vocabulário lol.Os outros restantes 10 mil portugas continuam a dizer "bicicleta" :)
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Quanto comentar este texto, não o consigo;está-me nas pele todas as palavras que poderia subjectivar o que escreveste sobre esta nossa paixão comun, e teria que "escarafunchar" com um bisturi para que me saísse algo de jeito.
Como todas as paixões têm o seu lado de loucura, deixo aqui este poema:



"Se acendes um fósforo durante o dia
para ver,
significa que não há janelas nem electricidade,
nem sequer sol.
Ou então significa que és louco."

(Gonçalo M. Tavares, in "1"/ Relógio D'Água)

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**Petonets**

blue kite disse...

Estive lá (também na minha cidade do coração) mas não tive arcaboiço para ir pedalar.

Estive a torcer pela nossa comum amiga Cristina e a desejar para o ano conseguir participar. O pior é a preguiça crónica de que padeço...

Cris

P.S. Entretanto vou ler atentamente a post anterior sobre alguém que eu também considero especial, o JLP.