domingo, 11 de maio de 2008

Há um ano atrás...

Jorge Palma em seu melhor
Foto daqui

... eu me esbaforia pelas estradas portuguesas, obviamente pilotada pela incansável Vera, para ir a Coimbra conhecer duas pessoas: a minha já amiga Cris e o Jorge Palma.
Acabo de ler sobre o sucesso do seu concerto na Queima das Fitas deste ano. Foi inevitável lembrar que, nesse mesmo evento - que no ano passado aconteceu em 11 de maio - Jorge me deu o prazer da amizade, fazendo-me pagar o mico de perpetrar Chico Buarque a capella diante de vinte mil pessoas.
Claro que ninguém entendeu nada, só ele mesmo e eu, mas e daí? Vinte mil são vinte mil, a despeito da cegueira dos spotlights.
Mas o que importa é que Jorge veio, e de vez. Nossa amizade passou nos testes do efêmero e da trivialidade para criar boas raízes de jaqueira. Não que eu goste de jacas, muito aliás pelo contrário. Mas é que isso me faz lembrar a solidez enunciada por Gilberto Gil em "Flora". E é assim que a gente se sente: cada conversa é uma alegria, há ternuras sempre a distribuir.
Jorge Palma é um verdadeiro gênio da canção. E não diria da canção portuguesa, porque a sua música é antes de tudo universal - mas estou a repetir-me. Aliás, sou sempre redundante quando falo de Jorge Palma porque só posso, mesmo, elogiar: os ingredientes que mistura para dar forma à sua música combinam-se sempre muito bem - e o resultado é admirável.
Sou fã de sua fluidez impressionante ao piano, do seu talento para a vida, da sua poesia sempre muito concreta, sulcada de esperança apesar da enorme lucidez diante do trágico.
Jorge Palma é um must na discoteca de toda pessoa que goste de um estilo jazzístico inspirado e de um músico versátil, que navega com a maior das tranqüilidades por toda sorte de ritmos. E que assusta quando, de repente, surge num esplêndido e irretocável folk-rock, num inglês quase nativo. - Ah, mãe, esse é o Jorge mesmo? - admirou-se outro dia minha filha Luísa, quando lhe mostrei a irrepreensível Sunset break (in my hometown), faixa "escondida sem o rabo de fora" do último cd, Voo Nocturno, sucesso estrondoso e inesperado para o próprio Jorge desde o lançamento, há dez meses.
Desde o primeiro aperto de mão que trocamos, tive a certeza de que ir a Portugal conhecê-lo foi a atitude certa. Jorge Palma, o ser humano, é de uma indefinível poesia nos menores atos. Abriu o sorriso, o coração e a alma com insuspeitada sinceridade. Aliás, é essa mesmo a sua marca: nada nele é falso ou produzido. É por isso que os fãs o amam sempre e incondicionalmente.
Desde que a canção "Encosta-te a mim", carro-chefe do cd Voo Nocturno, começou a liderar o hit-parade em Portugal, no qual manter-se-ia semanas a fio, Jorge conquistou um novo público - este bem diferente do pessoal mais antigo e fiel, os chamados "palmaníacos". E ocorreu um fenômeno curioso: os iniciados passaram a torcer o nariz para aquele que chamam, com um certo desdém, de "o público do Encosta-te a mim". De alguma forma devem ter-se sentido lesados na antiga exclusividade que tinham. Afinal, hoje Jorge Palma é de seus milhões de fãs - e tem de se repartir entre todos eles. A agenda de espetáculos é quase impossível segundo as leis da Física: Jorge, afinal, ainda não adquiriu o dom da ubiqüidade.
Naquela noite fria em Coimbra, onde uma lua mansa balouçava no céu azul-marinho e prateava docemente o Mondego, o "Encosta-te a mim" apenas começava a tocar nas rádios. Após a apresentação, sentamo-nos na grade de ferro que sustentava o palco, ao ar livre, quase em clima de circo mambembe. Jorge puxou um cigarrinho e já um pouco da alma evolou-se entre baforadas. O resto precipitou-se nos dias subseqüentes. Oito dias depois eu embarcava de volta para casa, não sem um telefonema de boa viagem às três da manhã, coisa de um notívago muito cavalheiresco.
Hoje, um ano depois, agradeço por aquele momento, pelo amigo e pelo prazer de apreciar a sua fantástica obra. No que depender de mim, muitos brasileiros ainda vão ter essa alegria, pois Jorge Palma, com sua irreverência e sua música, tem tudo a ver conosco.
Enquanto isso, o jeito é mesmo baixar pelo eMule ou importar os cds. Mas, assim como tantos artistas brasileiros encantam Portugal, por que é que um português de tal envergadura não há de conquistar o Brasil, pelo menos musicalmente?

4 comentários:

Anônimo disse...

ouviver
verbo que proponho para sua paixão Jorge Palma.

porque para além de ouvir e ver serve ainda para viver:

ouvivi JP:

ouvi; vi; vivi JP

pessoalmente gosto mais de Sérgio Godinho, Vitorino, Fausto...

Anônimo disse...

Eu entendi a vossa canção, não com o ouvido mas com o sentimento :))
E acho que tremi tanto como tu quando foste puxada pró palco lol

Maurette disse...

Caro Anônimo 1,
Não diria que Jorge Palma seja propriamente uma paixão; sou uma pessoa que realmente se entusiasma. É da natureza. Assim como ocorre com o Jorge, tenho enorme entusiasmo por muitas outras pessoas igualmente - poetas, escritores, pensadores, cantautores... Não há um caráter exclusivo nisso. Mas dou muito valor a ele. Posso dizer que "vivo" a arte; dentro desse conceito posso "lerviver", "verviver" e "ouviver" muitas coisas. A vossa ideia é de fato boa.
Também eu gosto do Sergio Godinho, Vitorino, Fausto, Né Ladeiras, Rodrigo Leão, Mariza e uma enormidade de fantásticos portugueses. Mas, com uma visão de quem não é da terra, destaco o caráter mais universalista da obra do Jorge. Apesar de vários artistas brasileiros terem grande aproximação com o Godinho, como Caetano, Ivan Lins e mesmo o Chico, sinceramente não sei se ele agradaria tanto ao público brasileiro, caso cantasse aqui. Já o Jorge eu não duvido. Tenho a certeza de que faria sucesso aqui. A compreensão da obra seria mais fácil devido à linguagem mais "aberta" e pródiga em referências que desenvolveu.
A Mariza, por exemplo, fez muito sucesso aqui, mas porque é porta-voz da referência explícita do fado, que é familiar aos brasileiros, ainda que segmentada.
A Teresa Salgueiro e os Madredeus são queridos aqui, também por sua especificidade. Já o Jorge Palma é um músico de cariz internacional, e nisso difere largamente da maioria dos modernos portugueses, que adoro também e adotei como minhas referências.
Esta é a diferença que vejo, que está além de qualquer paixão: denota, antes, uma observação centrada na diversidade cultural.
Obrigada pela presença! Volte quando quiser!
Maurette

Orlando Gonçalves disse...

oi miga, já há muito tempo que não passava por aqui, o tempo é curto para tudo aquilo que tenho de fazer, mas queria te dizer que o "nosso" Jorge cada vez está melhor. Ganhou e com muito mérito o Globo de Ouro para o menhor cantor individual, galardão atribuido pela SIC em colaboração com a revista Caras através do voto popular ( mas isso tu já deves de saber, lol lol lol lol lol lol).
Por isso amiga como vez o jorge vai de vento em pompa.
Continuo a ler os teus textos, não penses que deixei de os ler, e como sempre continuas a escrever maravilhosamente.
Espero que estejas bem.
Um beijão deste teu amigo Portuga que já têm saudades tuas. Fêz também um ano que nós nos conhecemos. Parece que foi ontem.
Um beijão grande
Orlando Gonçalves