domingo, 20 de abril de 2008

Lendas da lógica portuguesa

Brasil e Portugal - Foto daqui

O velho costume que os brasileiros têm de contar piada de português é uma tradição imorredoura. E nós nos divertimos com isso, sim! Desde que era pequena escuto piadas que têm como personagens os patrícios. Meu tio Celeste, então - uma figura inesquecível - era mestre em contá-las. Algumas eram mesmo longas e intrincadas para o entendimento de uma criança pequena como eu na época, mas mesmo assim eu gostava (mas essas conto outra hora, porque é preciso reconstituí-las com a ajuda da memória da família).

A lógica portuguesa, numa tradução bem-humorada, é o entendimento que eles têm (em geral diverso do nosso) de determinadas situações ou circunstâncias. O Alvaro, um grande amigo e ex-colega de trabalho, filho de portugueses, além de imitar à perfeição o sotaque lusitano, é capaz de cometer muitas piadas. Tem uma adorável, para mim um grande exemplo da dita lógica: o brasileiro, hospedado num hotel em Portugal, desejava mandar flores a alguém no domingo. Dirige-se então à floricultura na sexta-feira e pergunta:
- Vocês fecham aos domingos?
- Não, não fechamos - é a resposta. Satisfeito, retorna ao hotel.
Na manhã de domingo, após o café da manhã, sai todo contente rumo à floricultura - e encontra a loja fechada!
Na segunda-feira chega cedo à loja, muito aborrecido, para reclamar.
- Não entendo - bufa. - O senhor me disse que não fechava aos domingos, no entanto vim aqui ontem e dei com o nariz na porta! O que é que o senhor me diz?
- Meu caro senhor, é verdade: não fechamos aos domingos!
- Mas como não fecham? Ontem estavam fechados!
E o homem, com toda a convicção:
- Não fechamos aos domingos porque não abrimos!

Para ele, isto é lógico; para nós, não. Para um brasileiro, "não fechar" uma loja significa mantê-la aberta, só isto.

Pude constatar, recentemente, que a lógica portuguesa pode ser contagiosa. Não, não é piada, embora tenha lá a sua graça. E aconteceu comigo.

No outro dia, pedi a uma amiga de Portugal que fizesse um pagamento para mim na terrinha, mediante o recebimento de uma quantia que eu lhe enviaria pelo rapidíssimo sistema Western Union, via Banco do Brasil. Ela então resolveu fazer o pagamento de uma vez, visto que o dinheiro levaria apenas 20 minutos para chegar a Portugal, pelo sistema que escolhi.

Fui ao banco e, já experiente nesse tipo de remessa, enviei o dinheiro rapidinho, peguei o comprovante e tirei o assunto da cabeça.

Uns quinze dias depois, recebo dela um email todo tímido, perguntando se "tinha havido algum problema", pois não recebera nada. Passado o susto inicial (ai meu Deus, onde é que esse dinheiro foi parar?), lembrei-me de perguntar se ela já tinha ido aos Correios buscar o dinheiro (é assim que o sistema funciona). Disse-me que não, que estava à espera de que chegasse algum papel ou coisa que o valha.

(Ahhhh..., pensei eu, com um leve risinho de complacência). Lembrava-me de ter dito que ela precisava ir aos Correios.

No dia seguinte, outro email: - Olha, deram-me um lindo formulário onde preciso inserir um código...

- Ah, desculpa!... Claro, o código!

(Ai, que vergonha! Que nem o espelho veja quão vermelha devo estar!, pensei, imaginando no rosto dela um riso igual ao meu da véspera).

Corri à pasta de documentos, copiei o código, meti num email e mandei. No dia seguinte, num correio intitulado AS TOTÓS - CAPÍTULO FINAL, informou-me que recebera condignamente o dinheiro, sem qualquer delonga.

Moral da história: é bom não prejulgar a lógica portuguesa alheia, pois ela pode estar mais dentro da gente do que imaginamos.


2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Odele Souza disse...

Olá querida Maurette,
Muito bom estar aqui neste espaço onde claramente declaras teu amor pelos portugueses. Junto-me a ti nesse amor por eles. São uns queridos.

Conte comigo para ler teus posts pois como sabes sou fã de tua escrita.

Um beijo.

PS. Neste meu comentário, qualquer semelhança com a forma de escrever dos portugueses não é mera coincidência.