sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Ar-de Novembro (2)

Foto: José Duarte - www.olhares.com

Ficou feliz com a notícia. Coisas do destino, do Universo, do coração, não sabia direito; mas o fato é que o sujeito cruzaria o Atlântico de novo, e muito breve, para cair praticamente do lado de casa. Depois de tantas pequenezas e desajustes de rota, enfim iam encontrar-se. A um custo enorme conseguia vestir com alguma racionalidade a criança que lhe escapava, afoita e feliz, e fazia tudo lhe sorrir por dentro.

Então respondeu, pensou o Portuga, entre distraído e satisfeito, habituado que estava às manhas da net. Aqui, conhece-se alguém novo todo dia. As palavras eram cordiais, mas tinha um entusiasmo embrulhado nelas. A curiosidade mordeu de leve, mas a vida espreguiçou-se com ar de depois vejo isso.

O segundo email, dois dias depois, pegou-o de madrugada, bem jantado, aquele soninho gostoso se avizinhando. Quando tiver um tempinho, conta-me como foi o show... Empertigou-se na cadeira e, então, esmerou-se num relato digno de um caderno de viagens do Almeida Garrett, as minúcias coloridas com uma paixão adivinhada, um brilho no olhar, uma elegância que fazia as palavras cintilarem na página. Quase um Cyrano cibernético, a mal-disfarçar com as mais inocentes impressões uma compulsão quase incontrolável por seduzir. Cuidou de cada curva do texto com a paciência de um jardineiro a refinar topiarias, ciente do efeito que haveria de provocar.

Fascinada, Brasuca acompanhava o cheiro da noite outonal, as estrelas, os tempos e contratempos, as tribos que ele descrevia com olhos para cada detalhe, as roupas, o jeito de andar, os sentados com arrogância e os tímidos de toda sorte, a se achegarem ao palco com seus piercings, tatuagens, pulseiras e cabelos mais que criativos. E depois a voz, o piano, as canções que faziam cada um delirar à sua maneira. Se pudesses ver os meus olhos, saberia como eles brilhavam com a paixão que tenho por essas músicas... Viu, sim, viu os olhos dele no cristal líquido da tela, vasos comunicantes que a contagiavam com uma insuspeita familiaridade. Uma coisa, fumas? e segredou-lhe a vontade forte que teve de acender um cigarro, nunca, desde que parei de fumar, isso me bateu tão forte como ontem. Suspiro fundo que até doeu, tadinho, deve ter sido tão difícil resistir...

e posso, além do abraço, deixar também um beijo?

claro que riu, divertida, com os estudados ares de audácia do gajo. e claro que o sorriso se alargava por dentro, afinal o estrago estava feito, ou quase... Será que esse cara tá me dando idéia? Será? Não, quê isso... não.

No dia marcado de chegar, mandou mensagem no celular, toda esperançosa, achando que a cidade, de certo modo, estava diferente. Nem acreditava que logo iam rir de tantas coisas juntos, tinha certeza, agora que estavam pertinho... o difícil mesmo era encaixotar aquela vontade de sair correndo e passear-lhe a saudade em torno, nunca se dera mesmo bem com essa coisa de ter que se controlar, de fazer que não liga...

Tóin-nhóin-nhóin-nhóin-nhói... (Arrepio.)

Tóin-nhóin-nhóin-nhóin-nhói... (Já respondeu!)

Tóin-nhóin-nhóin-nhóin-nhói... (Ai, meu Deus!)

(Continua)


Um comentário:

bruno cunha disse...

desculpa não ter lido antes mas já li e gostei!
está mt bem escrito e é algo que ao ler-se se pode ter a sensação de que as peças a pouco e pouco se irão juntar num todo coerente...
continua!

ps: de qual poema meu falavas?