domingo, 17 de junho de 2007

O amigo que não vi


Esta é a melhor foto que tenho dele, em seu planeta azul guardado no coração, todo engalanado. Gosto dela porque destaca bem o seu olhar menino, pequeno e curioso, a espreitar a vida de lado... O ar meio tristonho também é o mesmo, quando fica assim parado num quase-sorriso, à espera do minuto seguinte...
Não o vi por pouco ou por muito. É sabido que faz muitas viagens, e que costuma deixar o seu planeta em busca de outros mundos e histórias, mas não por muito tempo. E também cultiva rosas, de várias espécies, com maior ou menor esmero, de acordo com a época certa de plantio e floração. Cuida de manter-lhes o viço e o aroma sempre que pode, mas nem sempre pode, e às vezes uma ou outra pode padecer um pouco por falta de água ou ter a terra revolvida, para refrescar as raízes...
Quando não está sobrevoando algum planeta obscuro ou reluzente, ou quando não está em seu jardim a ocupar-se, em especial, duma ou outra rosa, gosta de esticar-se ao sol, sobre uma toalha de poesia pura. Ou deleitar-se nas águas frescas de um conto que corre inevitavelmente para o mar. Ou então ouvir a música que se esvai por entre as rochas, no entardecer. E à noite põe-se a sorrir, entretido, para as estrelas com quem troca confidências às vezes.
Gosto de observá-lo com os cabelos revoltos por algum vento solto de mar, e de vê-lo dizer simples bobagens com gosto, ou coisas bonitas com jeito. O amigo que não vi sabe brincar como qualquer criança que se preza, correr, esconder-se, reaparecer, rir, assustar, jogar peteca... O seu passatempo predileto é pular de alturas impensáveis para qualquer ser humano, mas ele parece adorar cada ínfimo instante em que se vê solto no ar, como se usasse asas emprestadas, como se voar fosse a coisa mais fácil do mundo!
O amigo que não vi tem lá seus quartos escuros, e num desses andei aprisionada, após uma cabra-cega que nos colocou de costas um para o outro. Quando a brincadeira acabou eu saí batendo a porta, ele pisando duro... Até que um dia trocamos de bem, viramos a página da mágoa e saímos de novo para o sol, a correr atrás de cabritos e colher azeitonas. E entre os ventos de Lisboa esperava o seu rosto de infância, que não vi mas pressentia em sorrisos ao telefone e em planos pequenos, despreocupados, de tomar um café e desfiar poemas para não perder o hábito...
Não sei bem se foram as viagens, as rosas ou as estrelas, ou mesmo a velha bússola no bolso da capa. O fato é que nos perdemos sem distância farta e por pequeno prazo. Tinha ele um espaço guardado no meu Portugal, combinado entre as dobras das mensagens de texto e em muitos sorrisos de alívio que se me escapavam pelas ruas, nas bucólicas esquinas, por sobre as pontes e nos miradouros que desaguavam no Tejo, nos fins de tarde ou entre as estrelas das noites altas.
Mesmo assim o amigo que não vi está perto talvez, não sei ao certo onde. E a alegria do reencontro permanece além dos olhos, como um pétala guardada entre as páginas do livro de cabeceira.

4 comentários:

isabel disse...

lindo, como sempre!

a amizade, como o amor, tem que ser regada...

beijo grande

o alquimista disse...

A tua escrita tem a elegância dos mestres...

A lonjura é a distância da viagem, a idade não cobre os rochedos, passam ventos de encantamento descobrindo mil e um segredos, tantas histórias, tanto caminhar, quanto tempo leva a viagem das pedras e se o sol não voltasse no amanhã achas que a lua sorria para elas?...


Boa semana

Doce beijo

Anônimo disse...

"And you look, you look through me
and you talk it´s not to me
and when i touch you, you don´t feel a thing
(...)"



Bono
in
Stay ( faraway, so close)

bruno cunha disse...

Honra ao principezinho de todos nós!
(gostei do teu blog, foi-me aconselhado pela Vera)