domingo, 20 de maio de 2007

Primeiro, a descolagem



Três de maio, três da tarde, eu a vencer afobadamente os espaços entre os terminais 1 e 2 do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Havia ainda uma guerra contra o relógio a ganhar, em minutos, antes de entrar no meu primeiro avião da TAP, rumo ao primeiro Portugal da minha vida.

De tão perto, tudo ainda parecia-me infinitamente longe; dois dias antes o meu celular apagara-se irremediavelmente e, na véspera, a caixa de emails esvaziou-se por obra e graça dalgum encanto ou feitiço. E, nos vinte minutos que me separavam do embarque, tudo o que fazia era correr, correr, correr pelas esteiras rolantes até o Banco do Brasil, no outro terminal, para comprar os euros em tempo recorde.

Depois, a fila da imigração, a sala de embarque e, enfim, o vôo 178 para Lisboa.

Encontrei meu lugar e deixei-me levar pelos sotaques, sabores e cheiros que exalavam do ambiente, aconchegada àquele quê de além-mar. Ao meu lado estava Malu, que conheci na hora: ia visitar a irmã perto de Sintra e depois seguiria para uns dias na Itália. Mas naquele fim de tarde com jeito de noite, eu só pensava mesmo em Portugal, Portugal, que antes nunca me arriscara a conhecer, mas já tinha agora algumas razões para amar.

O filme com as instruções de segurança arrancou-me os primeiros sorrisos de malícia: convidavam-nos a nos preparar para a descolagem. Há que aprender, sempre: aviões portugueses descolam, não decolam. Fiquei a imaginar o piso a separar-se do resto da fuselagem e nós lá, atados às poltronas, a pairar na pista... e mais uma vez convenci-me de que a unificação do nosso amado idioma é de fato uma utopia.

Após os primeiros sonhos em céus novos, levantei-me com a aurora e caminhei pelos corredores. O sorriso do comissário, bem-apessoado e sedutor, abriu-me uma fresta: - Logo a senhora vai cheirar Lisboa! E compreendi que era mesmo esse cheiro que pressentia, a inundar-me a alma, os passos cautelosos sobre as pedras iguaizinhas às que foram trazidas para cobrir o Rio de Janeiro e tantas outras cidades brasileiras.

Logo ganhei a rua com meu carrinho de malas, até o táxi e o hotel. Cheguei muito cedo para uma cidade que, ainda tonta de sono, não se levanta antes das nove horas. Mesmo assim caminhei pela Praça dos Restauradores, fui até os correios, comprei meus primeiros cartões telefônicos, fartos mistérios povoados de números que aos poucos aprendi a decifrar.

E lá, como aqui, há orelhões que não funcionam, instruções que não se confirmam, jeitinhos que é preciso dominar. Só na estação do Metro (lá é metro mesmo, não metrô) é que consegui ouvir a voz da Vera, que apressou-se em buscar-me, toda lépida e independente em seu Peugeot cor de prata.

Foi um abraço como poucos, do tamanho dos anos que aparentemente nos separaram até então. Uma vida guardada e agora partilhada. Corta-me lembrar daquela alegria tão limpa, desdobrada como a melhor toalha do enxoval, diante da mesa do primeiro Natal da família.

Então seguimos molecas, camaradas. Foi a senha amorosa para que Portugal começasse a abrir-se de par em par, a acertar o passo e as cores dos dias por chegar.