
Estás no mar - ou melhor, estás ao mar, como convém a um capitão que se preza. Chego a ouvir o louro a cacarejar no teu ombro. E das minhas léguas de distância preparo-te esta garrafa bem limpa, transparente e clara, que de certeza há de atravessar incólume os mares e surpreender-te ao largo das ondas. Vais resgatá-la, e mesmo antes de abrir hás de saber que é endereçada a ti.
Gosto de pensar numa garrafa, num manuscrito, nesses tempos velozes que nos escapam entre os dedos. Imagino-te a decifrar a mensagem sentado no pequeno convés já lavado e seco, as cordas a um canto, o sol desse verão agudo a escorrer-te pelos braços, um calor que encomprida os dias. Não, as noites não gostam mesmo dessa quentura, portanto vivem a fugir... só chegam mesmo quando o vento engrossa e as anuncia.
Vivo numa terra quase toda feita de mar. Quando esfria num canto, no outro é quente. Daria até para veranear o ano inteiro, com muito dinheiro e disposição para viajar por imensas terras e por mares que mudam de cor, ao bel-prazer do tempo e do lugar.
Mas agora estou no inverno, aliás bem fraquinho se comparado ao teu, ainda que entremeado de dias claros em que o sol sorri, e dias enevoados, de cara fechada e poucos amigos. Penso na tua praia e nessa malemolência que cultivas feliz, entre gaivotas, areias, amigos. Como será tua maresia alentejana? Guardará aromas secretos só permitidos aí? E como é navegar ao abrigo dos rochedos, rodeado por essa vista de tirar o fôlego?
Sei lá por que, mas acabo de me lembrar dos Versos do Capitão, pequeno livro de poemas que Pablo Neruda dedicou à sua amada Matilde Urrutia, quando ainda mantinham sua história em véus de segredo. Só muitos anos mais tarde o poeta reconheceria esse filho até então apócrifo, e no entanto recheado de mil delicadezas que sem dúvida o trairiam, a um exame mais apurado. Os Versos tratavam de coisas do amor, todas envoltas em marulhos e vagas e ventos de mar. E o capitão era Neruda, como ele próprio se imaginava, a ansiar por um porto seguro entre seus muitos combates.
Talvez aí, na tua praia, te sintas um pouco assim, repousado nos braços das tardes sossegadas, a acalentar o coração antes de enfrentar as grandes águas. Um bom capitão sabe o que precisa para cruzar em segurança o imenso e o profundo. Talvez deponhas as certezas na areia e encontres o horizonte com olhos densos de mar, desse mar que levas dentro porque te faz falta.
Vejo que guardas com cuidado a garrafa e sorrio cá do meu inverno, sabendo que estás feliz e que o calor desse tempo há de durar dentro de ti.
2 comentários:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
(Fernado Pessoa)
A garrafa já chegou e trouxe consigo uma mensagem através deste mar imenso que nos separa: A Amizade. Não escolhemos a familia, pai, mãe, irmãos, mas temos, e devemos escolher os amigos, esses sim escolhemos e tu já fazes parte dos amigos que esta vida me têm dado. Obrigada pelo carinho que tens tido para comigo. O mar não separa encontra as pessoas.
Beijos
"Captain, my captain.."
Tuturururu
:)
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