sábado, 21 de julho de 2007

Carta ao Capitão


Estás no mar - ou melhor, estás ao mar, como convém a um capitão que se preza. Chego a ouvir o louro a cacarejar no teu ombro. E das minhas léguas de distância preparo-te esta garrafa bem limpa, transparente e clara, que de certeza há de atravessar incólume os mares e surpreender-te ao largo das ondas. Vais resgatá-la, e mesmo antes de abrir hás de saber que é endereçada a ti.
Gosto de pensar numa garrafa, num manuscrito, nesses tempos velozes que nos escapam entre os dedos. Imagino-te a decifrar a mensagem sentado no pequeno convés já lavado e seco, as cordas a um canto, o sol desse verão agudo a escorrer-te pelos braços, um calor que encomprida os dias. Não, as noites não gostam mesmo dessa quentura, portanto vivem a fugir... só chegam mesmo quando o vento engrossa e as anuncia.
Vivo numa terra quase toda feita de mar. Quando esfria num canto, no outro é quente. Daria até para veranear o ano inteiro, com muito dinheiro e disposição para viajar por imensas terras e por mares que mudam de cor, ao bel-prazer do tempo e do lugar.
Mas agora estou no inverno, aliás bem fraquinho se comparado ao teu, ainda que entremeado de dias claros em que o sol sorri, e dias enevoados, de cara fechada e poucos amigos. Penso na tua praia e nessa malemolência que cultivas feliz, entre gaivotas, areias, amigos. Como será tua maresia alentejana? Guardará aromas secretos só permitidos aí? E como é navegar ao abrigo dos rochedos, rodeado por essa vista de tirar o fôlego?
Sei lá por que, mas acabo de me lembrar dos Versos do Capitão, pequeno livro de poemas que Pablo Neruda dedicou à sua amada Matilde Urrutia, quando ainda mantinham sua história em véus de segredo. Só muitos anos mais tarde o poeta reconheceria esse filho até então apócrifo, e no entanto recheado de mil delicadezas que sem dúvida o trairiam, a um exame mais apurado. Os Versos tratavam de coisas do amor, todas envoltas em marulhos e vagas e ventos de mar. E o capitão era Neruda, como ele próprio se imaginava, a ansiar por um porto seguro entre seus muitos combates.
Talvez aí, na tua praia, te sintas um pouco assim, repousado nos braços das tardes sossegadas, a acalentar o coração antes de enfrentar as grandes águas. Um bom capitão sabe o que precisa para cruzar em segurança o imenso e o profundo. Talvez deponhas as certezas na areia e encontres o horizonte com olhos densos de mar, desse mar que levas dentro porque te faz falta.
Vejo que guardas com cuidado a garrafa e sorrio cá do meu inverno, sabendo que estás feliz e que o calor desse tempo há de durar dentro de ti.

2 comentários:

Orlando Gonçalves disse...

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
(Fernado Pessoa)


A garrafa já chegou e trouxe consigo uma mensagem através deste mar imenso que nos separa: A Amizade. Não escolhemos a familia, pai, mãe, irmãos, mas temos, e devemos escolher os amigos, esses sim escolhemos e tu já fazes parte dos amigos que esta vida me têm dado. Obrigada pelo carinho que tens tido para comigo. O mar não separa encontra as pessoas.
Beijos

Anônimo disse...

"Captain, my captain.."

Tuturururu
:)