quarta-feira, 20 de junho de 2007

Lisboa, aos poucos


"Cidade a ponto cruz bordada
Toalha à beira mar estendida..."

(Lisboa, menina e moça - Ary dos Santos/J.Pessoa)

Numa viagem entrecortada, a gente demora um pouco a entender os lugares. E por isso Lisboa entrou em mim aos poucos, às vezes aos sustos, às vezes aos sussurros, ou mesmo aos solavancos. E quando me dei conta estava lá para sempre.
Cheguei bafejada de sol e calor, o dia ainda acordando, e foi bom. Os cheiros e borbulhos fizeram-me festa, em meio às nítidas cores das ruas por onde caminhei, com o comércio ainda quase todo fechado, bem cedinho. Os rostos, receptivos, e as distâncias, pequenas à primeira vista. Explorei a Praça dos Restauradores, o Rossio, a Praça do Comércio, as ruas adjacentes, três lados do Teatro D. Maria II, a estação que está em reformas, as pedras portuguesas milimetricamente assentadas, ao contrário do que acontece no Rio (meu passado me condena; quebrei ambos os dedinhos do pé, com intervalo de um ano entre um e outro, ao chutar desavisadamente algumas delas, soltinhas da silva, na Cinelândia...). No dia seguinte lá estava eu na estrada a caminho do Porto, o primeiro lugar onde parei, de fato, para respirar e sentir Portugal com mais intensidade.
Só voltei para Lisboa cinco dias depois, e retomei minha exploração a partir do bairro de Santos, onde me apropriei do quartel-general da Vera e do Faria. Ali conheci o célebre teatro A BARRACA e sua criadora, Maria do Céu Guerra - que almoça quase todo dia no mesmo restaurante onde comíamos nós. Dali habituei-me a subir as ruas para um lado e outro, a conhecer cantinhos, confluências, praças, o Museu de Arte Antiga que acabei não visitando porque estava parcialmente em reformas, o Museu da Assembléia que adorei, e a arquitetura que resplandecia. Não me cansava de tirar fotos de prédios, para preservar em cores os azulejos todos que via pela frente. Sorte minha ter comprado, logo no primeiro dia, uma boa câmera e um cartão de memória gigante; sem eles, este blog ficaria mesmo só nas palavras...
O Chiado e a Fnac eram paradas obrigatórias e constantes, com meus amigos, meus discos e livros e muito mais. A Casa Portuguesa, a primeira jóia que o Faria quis apresentar-me, ficou para a próxima porque também estava em reformas, e a cada dia mudavam a data da reabertura. Disse-me o Faria que lá tem milhares de pequenos detalhes da cultura portuguesa: andorinhas pretas de parede, bonecos do Zé Povinho, galos de Barcelos de todos os tamanhos... enfim, aqueles itens que, com o tempo, abandonam a prateleira do kitsch e passam à do cult. Quis muito percorrer aquele emaranhado de lembranças, de guardados, que se adivinhava nas vitrinas baças pela poeira, mas fazer o quê?
Com o Tiago Videira fui ao Castelo de São Jorge, de ônibus. Sobe-que-sobe-que-sobe-ladeira, a uma certa altura o motorista avisou que não podia ir até o fim porque, no caminho, havia um carro enguiçado. (Senti-me em Salvador.) Subimos corajosamente o que faltava do trajeto, a resfolegar, parando ocasionalmente para reunir forças.
Surpreendi-me ao saber que, na verdade, não há Castelo; o que existem são as muralhas que cercam o que seria a cidadela onde Lisboa começou. Ali dentro, contou-me o Tiago, vivia toda uma comunidade organizada, governantes, vassalos, comércio. Hoje resta a fortificação com suas escadas e torres. Subi e circundei-a pelo estreito caminho disponível. A vista da cidade vale qualquer sacrifício.
No elegante Teatro São Luís, assistimos a um recital da Escola Superior de Música de Lisboa. Um típico produto de primeiro mundo, tal como o entendemos. Fiquei a pensar no que diriam alguns dos emproados regentes de certas orquestras que se dizem profissionais por aqui...
(E nesse recital fui apresentada à palavra "beberete", que substitui de forma deliciosa e genuína o famigerado "coffee-break"...)
Quando acabou fomos caminhar pelo Bairro Alto, ou simplesmente "o bairro", no trato chic e natural da gente da terra. Tarde da noite e nós despreocupados pelas vielas impregnadas de boemia, sem aquela alma de medo que nos vestem à força no Brasil... E eu a pensar em como é bom poder esquecer um pouco a violência...
Outro susto de beleza foi o Chapitô, um charmoso restaurante que funciona numa escola de atores. Há um espaço aberto e agradável com várias mesas (para eles, uma esplanada), que à noite se acende como uma grande festa de São João; das árvores centenárias surgem luminárias mirabolantes, feitas pelos próprios alunos dos cursos de arte. Em frente há uma área fechada que funciona como teatro para as aulas, e à noite vira boate ou abriga eventos fechados. Acima dela, uma plataforma para os artistas circenses dividirem o seu talento com quem ali estiver saboreando a vida.
Olhar para Lisboa lá do alto é um exercício de poesia.
Após mais quatro dias parti de novo para Coimbra, Estarreja e, mais uma vez, o Porto. E com isso interrompi, temporariamente, a leitura de Lisboa, para continuar na volta.
E o resto depois eu conto, mas garanto a todos que jamais vou revelar o final, visto que ele não existe...

Um comentário:

Anônimo disse...

Lisboa é fácil dar-se a amar...talvez per ter aquela luz que nos lava a alma e nos acenda sorrisos.
Posso dizer que gosto dessa terra, mas sabes qual a cidade que amo,não sabes? :)


ah, deixa-me emendar-te numa coisa: Rocio é c/ 2 ss
:)